quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A intimidade do sigilo

Saiu no famigerado jornal The New York Times, no ultimo dia 15 de fevereiro, uma notícia chocante: escritórios de advocacia têm tido suas conversas com clientes monitoradas pela NSA. O link para a notícia encontra-se em http://www.nytimes.com/2014/02/16/us/eavesdropping-ensnared-american-law-firm.html?_r=1
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Intimidade?
Mais detalhadamente a NSA tem monitorado escritórios que patrocinam interesses estrangeiros que colidem (ou podem colidir) com os interesses dos EUA.
Isso é muito assustador.
Não porque advogados tenham direito a mais segredo do que quaisquer outros profissionais, mas porque a violação do sigilo profissional do operador do direito com seu cliente é especialmente grave.
A lei n. 8.906/94 diz que:
Art. 7º São direitos do advogado:
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia
Há questões constitucionais decorrentes do sigilo profissional do advogado com seu cliente. São elas o direito de defesa ampla, o direito a defesa técnica, o direito a um processo devidamente em conformidade com a lei, o direito à intimidade, o direito à privacidade, o direito de não fazer provas contra si… enfim… há tantas violações que decorrem de uma quebra de sigilo…
E mesmo que o cliente QUEIRA que o advogado mostre suas conversas e emails e suas características mais íntimas, ao advogado cabe PONDERAR se publicizará os dados profissionais, pois eles possuem dupla titularização: são do cliente e também são do advogado!
O mesmo se diga nas situações que o advogado quer mostrar e o cliente não aceita.
O trato não igual ao da correspondência em que o remetente ou o destinatário podem abrir o conteúdo para quem queiram.
Na questão do sigilo, o instituto é único e só pode ser quebrado por ambos ou por uma autoridade isenta.
Claro que há e houve escritórios que se associaram com delinquentes e aproveitaram-se da sua inviolabilidade para tentar restringir o acesso da justiça e de investigações criminais. Quando há mandado judicial a partir de indícios de envolvimento do escritório com delitos ou quando ali estão depositados elementos de corpo de delito, a inviolabilidade é relativizada.
Mas os casos são raríssimos e excepcionalíssimos.
Imagine a situação de uma pessoa que passe a ter seus registros médicos e exames monitorados e passe a não ter mais benefícios de saúde gratuita ou de remédios porque está em situação grave de saúde. Ou conte a um doente sua situação grave.
Imagine o Estado antecipando os anos de vida de alguém para poder fazer cálculos previdenciários e eventualmente pare de pagar alguém por ter atingido a idade de morte (em tese).
Imagine o Estado analisando sem autorização sangue e urina das pessoas e criando perfis de atendimento diferenciados. Antevendo gravidezes demenores de idade e informando famílias, escolas.
Imagine o Estado conhecendo situações de impotência masculina e, então, marginalizando aqueles que não podem gerar sucessores na ascensão social. Ou divulgue aos médicos que tratam da deficiência a informação para que vendam seus serviços. E para as farmácias.
Imagine o Estado conhecendo e divulgando orientação sexual de lésbicas, gays, profissionais de programa, categorizando como pessoas de grupo de risco. Ou chantageando divulgar a situação de tais pessoas para obter votos, para obter silêncios, ou meramente usando os dados para oferecer serviços e produtos especiais.
Imagine o Estado instalando microfones nos confessionários de igrejas e identificando delinquentes e os prendendo com base em suas palavras. Usando confissões como prova sem permissão. Descobrindo dados em confissões e utilizando tais dados para investigar alguém. Ou simplesmente amedrontando tal pessoa por saber de suas intimidades.
Imagine o Estado monitorando motéis e verificando quem foi incestuoso para impedir que processos sejam propostos por companheiros traidores. Ou alguém ganhando dinheiro chantageando o incestuoso.
Agora imagine que ao invés de ser o Estado é o Facebook. E ao invés de ser a NSA, é o Whatsapp.
Todo o cuidado é pouco.

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